Audiência Pública debate a importância do resgate genético e cultural do porco moura


A importância do porco Moura, um patrimônio genético brasileiro que precisa ser preservado, e que tem um excelente apelo comercial, foi destacada pelos participantes de uma audiência pública realizada na manhã desta terça-feira (06), na Assembleia Legislativa do Paraná. “Estamos deixando um legado”, afirmou Herculano Lisboa, entusiasta e criador da raça na região dos Campos Gerais, onde vem desenvolvendo uma reserva genética ao longo dos últimos dez anos através do manejo extensivo de alta qualidade, em meio às matas nativas de araucárias plantadas por ele.

“Ele está no Brasil há mais de 500 anos e se adaptou. Nosso porco não fica doente, não é vacinado”, frisou Lisboa, que também é farmacêutico e bioquímico de formação. A criação foi implementada em sua propriedade com o apoio e orientação do “Projeto Porco Moura” sob comando do professor Marson Bruck Warpechowski, da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “O porco Moura tem um ótimo apelo comercial, é um patrimônio brasileiro que precisa ser preservado. É reconhecido como um animal único, é um produto do nosso meio, com origem genética espanhola”, lembrou o docente, que também participou do debate, ao apresentar um breve histórico sobre a origem da raça. Trazida ao Brasil por portugueses e espanhóis durante o período colonial, o Moura quase entrou em extinção nos últimos anos.

O professor Marson relatou que as reduções indígenas Guaranis, fundadas a partir de meados de 1.500 e mantidas até meados de 1.700 pelos jesuítas espanhóis no Sul da América, deixaram vários patrimônios genéticos animais para o Brasil: “São conhecidos o cavalo Crioulo, o bovino Crioulo Lageano e a ovelha Crioula”. “Porém, pouca importância se deu para os porcos crioulos, que deram origem a uma raça exclusiva do Sul, o porco Moura, que assim como todas as raças de porcos brasileiras, hoje corre sério risco de extinção”, afirmou. O resgate da raça é o foco do projeto que já dura décadas no Departamento de Zootecnia da Universidade Federal. O trabalho foi iniciado em 1985 pelo então professor Narcizo Marques da Silva – responsável pelo registro oficial da raça em 1990. Interrompido em 2002, foi reiniciado em 2014 pelo professor Marson, resultando no projeto de extensão “Porcos Moura – Caracterização de Sistemas Tradicionais e Fomento à criação de suínos de raças nacionais”, com participação e vice-coordenação da professora Juliana Sperotto Brum, do Departamento de Medicina Veterinária da UFPR.

A zootecnista Maria Marta Loddi, professora da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), explicou como ocorreu o processo de resgate. “Nós fizemos um mapeamento no Paraná onde existiam poucos núcleos de criadores e introduzimos materiais genéticos de Santa Catarina, da Embrapa, e do Rio Grande do Sul. Dessa forma, aumentamos o número de criadores no Estado e estamos salvando a raça da extinção”, informou. O resgate da raça Moura é um dos focos do projeto da Universidade Estadual de Ponta Grossa desenvolvido em parceria com a UFPR. Para o diretor do Departamento de Saúde Animal (DESA) da Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar), Rafael Gonçalves Dias, essa é uma raça que vai se desenvolver muito mais. “O desafio é estabelecer medidas de biosseguridade para evitar a entrada e propagação de doenças nas propriedades. O sistema de criação ao ar livre requer medidas específicas”, orientou. Dias citou ainda o potencial e o protagonismo do Paraná na suinocultura e na produção de alimentos. Na cadeia de suínos, o Paraná produziu 12 milhões de unidades em 2023 e ocupa a segunda posição no ranking nacional, com 21,2%, conforme dados foram divulgados em março pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “É um resultado do trabalho de muitos anos, que assegurou o certificado de livre de febre aftosa sem vacinação”, comentou.

“Valorizar a biodiversidade é de suma importância”, afirmou o agricultor Divo Molinatti, que preside a Associação Paranaenses de Criadores de Porco Moura. Para ele, é essencial que as instituições públicas ofereçam apoio técnico e financeiro para que os criadores possam dar continuidade às atividades em sus granjas. “Enfrentamos muitos desafios”, enfatizou, ao considerar o debate um momento histórico para o setor. “Precisamos trabalhar para que a criação dessa raça seja uma alternativa de renda”, acrescentou Alexandre Leal, presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares do Estado do Paraná (Fetaep), criador de porco Moura no município de Cantagalo. Já a chef de cozinha e empresária Rosane Radecki, da região de Palmeira, contou que o primeiro contato com a carne do suíno aconteceu há aproximadamente oito anos. Segundo ela, a forma com que o animal é tratado resulta em uma carne diferenciada, tanto no aroma quanto na textura e na coloração. “A criação ao ar livre, com alimentação específica e natural (com frutos e vegetação nativa), resulta em um aroma diferente do porco criado confinado e com ração. Resulta em uma carne de extrema qualidade”, garantiu. “O marmoreio (gordura entremeada nas fibras) vem sendo bastante valorizado”, explicou.

Patrimônio histórico do Paraná

“Esse é um tema de grande interesse para o Paraná”, avaliou o deputado Luiz Claudio Romanelli (PSD), coordenador da Frente Parlamentar de promoção Municipalista, proponente da audiência que foi intitulada “Porco Moura: Um patrimônio histórico, cultural e genético do Estado do Paraná”. Segundo ele, “o estímulo a criação da raça pode propiciar renda adicional aos pequenos agricultores”. “O porco Moura tem uma carne diferenciada. Nosso propósito é que a genética da raça possa se perpetuar porque a carne é muito boa, com aspectos totalmente diferentes do suíno industrial”, enfatizou. Romanelli é autor de dois projetos de lei que têm como finalidade o fortalecimento da cadeia produtiva: o PL 386 propõe o reconhecimento da raça como patrimônio histórico, cultura e genético do Estado, enquanto o PL 387 insere no Calendário Oficial de Eventos do Paraná a Semana Estadual dos Porcos Crioulos. As proposições são de 2024 e estão tramitando na Assembleia. “Esse reconhecimento é um desafio”, observou o parlamentar.

O porco Moura – ou porco crioulo – é uma raça criada ao ar livre, sem confinamento, e pequenos rebanhos já foram identificados em pelo menos 21 municípios do Paraná, principalmente no Sul, Sudoeste, Campos Gerais e Centro do Estado, além da Região Metropolitana de Curitiba. A raça predominante no Sul do país é tradicionalmente criada de maneira rústica, solta em pastagens e florestas nativas. As características marcantes dos suínos atraem cada vez mais chefs de cozinha e açougues gourmets. Com peso adulto de até 300 quilos, o Moura é uma das maiores raças em tamanho no Brasil. Tem pelagem escura entremeada de pelos claros e uma estrela na testa que lhe dá nome em algumas regiões.

Participaram também da audiência, que lotou o Auditório Legislativo, o médico-veterinário Orlando Pessuti, ex-governador e ex-Secretário de Agricultura do Estado, hoje secretário do Conselho de Desenvolvimento e Integração Sul (Codesul); o deputado Pedro Paulo Bazana (PSD), integrante da Frente Parlamentar;  Breno Menezes de Souza, diretor do Departamento de Florestas Plantadas da Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento (SEAB-PR); Vinício Bruni, diretor de memória e Patrimônio Cultural da Secretaria da Cultura do Paraná; Diniz Dias, diretor interino do IDR-PR; Caren Santos e Maria Isabel Guimarães, representantes da Coordenadoria Estadual de Agronegócios do Sebrae-PR; prefeitos, estudantes e lideranças de vários segmentos.



Matéria da Assembleia Legislativa do Paraná